sábado, 14 de junho de 2008

A Dansa da Noite Interna

De novo noite.
De novo madrugada.
De novo a vigília noctívaga.
A cedência à indisciplina, ao caos. A fraqueza perante a balbúrdia anacrónica duma mente assolada de tempestades e calmarias, em que as luzes e as trevas se degladiam numa dança suave redemoinhadamente louca.

Estaquei! Incapaz de assumir voluntariamente os meus deveres e responsabilidades. Estaquei!
Tudo me parece estranho, complicado, distante, incompreensivelmente despropositado.
Não me obedeço. Não me respeito. Não me imponho a minha vontade... se ainda me resta alguma.

Quero apenas vegetar. Entre a cama e o computador... vegetar!

Perdi o sentido de rumo. Perdi o propósito de algum objectivo a que pudesse ter aspirado. E se o afirmo ainda... é apenas para enganar os outros. Para deles me proteger, mais dos seus rosários de ladainhas com sabor a mezinhas caseiras da avó já velhinha, falecida à muito numa aldeia esquecida em São Nunca por detrás do morro do fim do mundo.

Crueldade... Conservo uma sanidade cruel para poder assistir torpe ao meu lento, lânguido decair numa indiferença quase néscia.
E depois sorrio, falo com os outros, respondendo-lhes com um cínico entusiasmo, enunciando-lhes acertividade e determinação que a mim nego, por ter desaprendido o jeito de as convocar.

Eu me afirmo na negação de mim!

Perdi o controlo ao assumir o comando e não permito que ninguém ouse usurpá-lo, embora seja esse o meu mais almejado desejo.
Sou o suserano demente que se enclausurou no seu castelo para fugir de prestar vassalagem a si mesmo. E correndo por salões e galerias vazios, apregoa aos ventos o fim do mundo que ele abandonou à voracidade dos seus concorrentes.

Deixem-me adormecer tranquilo, para só acordar na hora da minha morte.


Nota: O Título «A Dansa da Noite Interna» não tem nenhum erro ortográfico, pois o «s» na palavra«Dansa» é deliberado. Invoco aí o meu direito, enquanto poeta, ao neologismo. Estou doente, mas não estou demente.

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